Você já ouviu falar na “MP das Startups”? Essa medida provisória (Nº 881/2019) foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro no final de abril e visa flexibilizar algumas legislações já vigentes que, até então, eram aplicadas sobre pequenos negócios. Em outras palavras, seu objetivo é desburocratizar.
A meta do governo com esta legislação é melhorar a posição do Brasil no índice de competitividade global, onde aparecemos como o 72º país mais inovador entre os 140 pesquisados. Segundo o Banco Mundial, somos apenas o 109º país mais favorável à abertura de novos negócios.
E como a MP pode impactar a vida de quem empreende no país? Por meio de alguns pontos que buscam a “liberdade econômica”, conforme o outro nome que a MP ganhou. Entre eles estão a ideia de retirar a necessidade de liberação ou alvará de funcionamento para negócios em estágio inicial, desde que estes não apresentem nenhum risco à sociedade.
Segundo o advogado especializado em direito digital, propriedade intelectual, startups e proteção de dados pessoais Marcelo Frullani Lopes, a MP é uma declaração de direitos que reafirmam os princípios da livre iniciativa e concorrência, retirando entraves que atrapalhavam empresas que desejavam testar e desenvolver novos produtos.
“De modo geral, como a MP estabelece a presunção de boa fé do empresário, ela busca deixá-lo mais livre para iniciar e desenvolver sua atividade econômica. Porém, o empresário estará sempre sujeito a sanções caso descumpra alguma lei ou outro ato normativo”, afirma Marcelo.
A MP das Startups está em vigor desde o dia 30 de abril, porém ela ainda precisa passar pelo Congresso para ser aprovada. Caso o texto não passe pelo Legislativo dentro do período de 120 dias, a MP perderá o seu valor.
E este é um dos pontos mais complicados, pois o que será das empresas que seguirem essas regras após este período, caso a lei não seja aprovada? Para o advogado José Neto, também especializado no direito das startups, este é o grande “tiro no pé” de se ter optado pela Medida Provisória, e não pelo projeto de lei:
“Caso isso ocorra haverá um cenário de completa insegurança jurídica para as empresas. Isso porque, a princípio, a Medida Provisória e todos os atos praticados em sua vigência perderão a eficácia. A MP foi boa por indicar a intenção do poder público em fortalecer o ecossistema de empreendedorismo, no entanto o tema ainda necessita de bastantes aprimoramentos para que se alcance uma efetividade caso ela seja convertida em lei”.
Marcelo Frullani, porém, cita que há prerrogativas legais que ajudam quem houver atuado sob as regras de uma medida provisória durante seu período de pré-aprovação, buscando dar maior segurança jurídica aos que agiram de boa fé durante o período de vigência da MP:
“O mesmo parágrafo 3° do artigo 62 da Constituição Federal estabelece que o Congresso pode editar decreto legislativo para regular as relações jurídicas que se formaram em virtude dela. Se esse decreto não for editado em até 60 dias após a rejeição ou perda de eficácia da MP, o § 11° do artigo 62 prevê que essas relações jurídicas serão mantidas”.
A MP está estruturada em 17 pontos que visam tirar as empresas “da mão do Estado”. Estão presentes ali pontos como a liberdade de definir preços, de redigir contratos baseados em padrões internacionais e até permitir que empresas possam ser abertas de forma unipessoal, isso é sem sócios. Tudo isso passa pela ideia de que as empresas estarão atuando de “boa fé”.
Vários dos 17 pontos escritos na MP levam em consideração esta conduta correta por parte das empresas. O que pode levar a alguns questionamentos. Como fica definido que a empresa não é mais um negócio em estágio inicial? Contratos e acordos passam a valer mais que a legislação?
Marcelo rechaça qualquer uma dessas possibilidades. Para ele, a MP não está estabelecendo uma liberdade total para as empresas, já que elas podem ser punidas caso descumpram a legislação. José vai além e afirma que muitas dessas lacunas muito provavelmente serão tocadas ou aprofundadas quando o texto passar pelas mãos do Congresso:
“Ainda que o texto fosse definitivo, alguns pontos da lei expõem lacunas e necessitam de aprimoramentos para que se possa atingir uma real efetividade e segurança jurídica da medida. E por esse motivo, algumas questões práticas ainda precisariam passar por um grande debate entre a comunidade empreendedora e os entes públicos, sendo prematura qualquer análise nesse momento que pretenda trazer soluções prontas”.
Falando na participação da comunidade empreendedora, a MP não é a única legislação que pretende ajudar os pequenos empresários e quem investe em inovação no país. Uma consulta pública está aberta até o final de junho para receber sugestões e ajudar a montar o texto do Marco Legal das Startups e Empreendedorismo Inovador. Diversas empresas privadas e públicas estão debatendo propostas que visam regular o setor, tal como o Marco Civil da Internet fez em 2014.
Paulo Morais, fundador do Programa Venturança de Educação Empreendedora e Aprendizagem Criativa e mentor de startups, é uma das principais vozes que trabalham pelo projeto. Ele explica que o Marco Legal é diferente da MP pois vai além da ideia da desburocratização para o funcionamento de novas empresas.
“Pelos eixos é possível notar algumas diferenças, como a ênfase aos investimentos em startups, as regras para compra de ações, além do fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação. Também inclui obviamente o esforço para criar um regramento para o ecossistema que possa fortalecê-lo sem impor engessamentos desnecessários em questões sobre como definir o que é uma startup e sobre quais critérios ela precisaria atender para ser considerada uma, seja em termos de volume de faturamento ou idade de criação”, conta Paulo.
O empresário reforça também que o desejo das empresas e instituições envolvidas na criação do Marco Legal é semelhante também à mesma premissa da MP: permitir que o país seja mais inovador!
“Particularmente nós esperamos que os trabalhos resultem em mais segurança jurídica para a criação e desenvolvimento de startups e de toda a cadeia de inovação nacional, mas também que seja possível avançar em outras frentes como o amadurecimento do mercado de investimento para além da primeira rodada e com a possibilidade das startups se capitalizarem com instrumentos mais eficazes e em um ambiente mais amistoso para quem quer empreender e inovar”, afirma Paulo.