Por definição, startup é toda empresa em fase embrionária com um modelo de negócio que seja repetível, escalável e flexível. Porém, são suas características mais românticas que tem atraído cada vez mais empreendedores: inovação, ousadia, engajamento. E não são só novos empreendedores que ficam encantados com este modelo. Muitas empresas tradicionais, notáveis em seus ramos de atuação, também mudam sua cultura para se adequar a este modelo de gestão.
Mas afinal, o estilo das startups pode ser empregado em qualquer empresa? E as startups, podem aprender algo com as empresas tradicionais? Fizemos estes questionamentos para grandes especialistas em cultura organizacional, que responderam também qual o maior aprendizado que pode ser tirado da Silicon Valley.
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Na teoria sim, na prática mais ou menos. Os principais desafios para esta convergência são dois: criar uma mentalidade multidisciplinar nos funcionários das empresas tradicionais, que estão acostumados a atuar “cada um no seu quadrado", e criar um processo de governança enxuto e horizontal, que patrocine a flexibilidade com responsabilidade.
A cultura de lá é que todos os funcionários não são funcionários, são como se fossem sócios, são responsáveis por alguma coisa importante. Com uma cultura que patrocina a flexibilidade e a responsabilidade, os resultados bons e ruins são alcançados com maior agilidade e isso é muito econômico em todos os aspectos.
Os assuntos de organização tributária, fiscal e societária são os pontos mais fracos dos empreendedores de startups no Brasil. Eles simplesmente fazem estilo "sem noção” e depois se têm um trabalho enorme para regularizar. Muitas startups que conheço possuem negócios promissores, contudo são inviáveis de receber investimento devido a sua própria desorganização nestes 3 aspectos. Meu conselho é que façam igual às organizações mais tradicionais, sem um bom advogado e um bom contador não se progride em nenhum negócio.
Quando a gente fala em startup, a gente fala da fundação de uma empresa. E neste período de nascimento, em geral, ela reproduz uma cultura típica da mentalidade do seu fundador. Quem organizou isso muito bem foi o pessoal da consultoria Bain & Company no livro "A Mentalidade do Fundador". Eles citam três coisas que são fundamentais nesta metodologia: a questão da obsessividade com a linha de frente de tudo que envolve o cliente; a questão do controle do dinheiro, de rigidez com os números, ter uma gestão bastante pragmática e focada em resultados; e a questão da experimentação constante. Daí a gente tem o primeiro conjunto de variáveis culturais que em geral são vistas numa startup.
Digamos que essas são as características do início de qualquer empresa e que levam ela ao sucesso. Não significa que depois que a empresa cresce não tem mais que ter isso. Esse estudo da Bain aponta justamente para isso, que quando a empresa paga todos os preços por essa burocratização, entre elas, o distanciamento do cliente, a empresa começa a entrar em colapso e ter rendimentos inferiores aos quais seriam possíveis naquele momento.
Acredito que quando você fala em empresas tradicionais, você se refere a empresas antigas. Então eu acho que essa cultura não só pode ser implementada como é um problema quando ela perde. Temos que ver qual o conceito de empresa tradicional, porque têm empresas com aparências de tradicional, mas elas chegam a resultados realmente superiores se comparado a outras. A própria palavra “tradicional” precisa ser vista com cuidado, porque se pensar no tradicional como um modelo antigo de gestão é importante levar em conta que há muitas startups com a mesma mentalidade. Ao invés de usar tradicional, deveríamos pensar em um termo melhor para se referir a isso.
Eu acho que o maior aprendizado que grandes empresas podem tirar do Silicon Valley é, em termos de cultura organizacional, abertura e flexibilidade. Abertura porque as empresas tem que ter um pouco de “feng-shui”. Ele tem um princípio que é aplicado em arquitetura de que os prédios têm que permitir sempre que o vento circule nele, de forma natural. As empresas têm que permitir que ideias novas estejam circulando por ela.
E o outro aprendizado é sobre flexibilidade. Isso é um desafio para as grandes empresas porque elas criam estruturas e se tornam mais complexas. O Jim Collins fala em seu livro "Empresas Feitas para Vencer" que a empresa tem que ter disciplina no pensamento, pessoas disciplinadas, pensamento disciplinado e ação disciplinada. Como você mantém essa disciplina e ao mesmo tempo modifica as empresas é um desafio bem complexo. Pela minha experiência, eu vejo poucas pessoas dando respostas satisfatórias ao nível de problema que elas têm e ao que elas almejam. Acho que esse é um aprendizado da Silicon Valley, mas não é suave de engolir.
O que as empresas tradicionais têm a contribuir é a mentalidade do fundador. Entre as grandes empresas, elas podem ensinar essa questão da disciplina, de se reinventar e uma coisa que somente as grandes empresas têm é a questão da gestão de processos complexos. Aí entra uma questão muito ligada às startups que, a meu ver, acaba super simplificando a realidade de muitas empresas e as acusa de tradicionais ou eventualmente resistentes às mudanças. Mas, de fato, é somente quando a gente trabalha numa grande empresa que a gente entende a complexidade das operações, como é desafiadora a estruturação de uma operação e o quão necessário é uma área de gestão do conhecimento, por exemplo. Se tem algo que as empresas tradicionais podem ensinar, eu acho que é isso.
Claro que sim. Mas antes é preciso lembrar que uma empresa que está começando não é uma startup, necessariamente. O conceito de startup refere-se a um modelo de negócios disruptivo e escalável. Já quando falamos de cultura, a contribuição do modelo startup para a empresa tradicional é enorme, a começar pelo engajamento. Enquanto empresas tradicionais trabalham de forma setorizada, a startup chega chutando o balde: todos trabalham juntos, em sintonia e integrados por um “propósito”. Esse é, aliás, o grande lance da cultura startup: todos entendem porque estão ali fazendo o que fazem. O trabalho assim ganha um novo significado, porque os colaboradores se sentem realmente pertencentes à empresa. Além disso, o processo de troca é muito maior e há mais liberdade de ação.
A começar pela arquitetura, muita coisa mudou nas empresas tradicionais. As empresas são mais abertas, arejadas, transparentes (um tema cada vez mais caro às empresas). As empresas também entenderam que funcionário não é máquina, e para inovar é preciso ter espaço (físico e mental) para criar. Algumas mantém até ambientes específicos para a criatividade. Outra contribuição importante é em relação à diversidade. Na cultura da startup, os líderes tendem a valorizar mais o time, e sabem que quanto mais diverso, mais aberto a novas ideias o grupo é. As pessoas são avaliadas por resultados, e não por tarefas. Para isso, não é preciso manter o funcionário no pé da mesa por 8 horas de segunda a sexta. Se ele pode entregar resultados trabalhando de um café perto de casa ou da beira da praia, por que não?
Muita coisa! Um dos maiores “pecados” das startups é a ausência de processos. Isso faz com que o colaborador fique confuso sobre o que fazer e quando. Às vezes a startup já começa querendo reconstruir o mundo, mas há coisas que fazem sentido, como um mínimo de hierarquia. Por mais que a empresa seja horizontal, alguém tem que ser responsável pela coisa toda. Muitas startups crescem rápido demais, e passam de 15 para 200 colaboradores em menos de 2 anos sem nem ao menos ter um plano de carreira. Aliás, algumas delas não tem nem RH. Nessa hora, é melhor olhar para empresas mais consolidadas e entender como é possível manter o trabalho fluindo sem perder nem o foco nem a criatividade.
Sim. É cada vez maior o número de empresas que entenderam que a cultura de startup é a forma mais eficiente de se agregar valor a um negócio. A construção de uma cultura startup deve levar em conta três aspectos centrais: colocar o cliente no centro da estratégia, tomar decisões baseadas em dados e praticar a cultura de testes. Eu entendo que o erro é parte do processo.
Idem acima.
Sim, a cultura tradicional pode ajudar muito quando pensamos em termos de governança e prestação de contas.
Acho que pode ser implementada sim, no entanto, depende do segmento da “empresa tradicional”. Em alguns casos, um novo olhar para os processos e procedimentos internos podem contribuir para aspectos subjetivos e objetivos da cultura e, consequentemente, do negócio. No caso de segmentos naturalmente mais rígidos, como empresas de mineração e ambientes fabris pesados, os desafios para essa implementação da cultura de startup é sempre mais desafiadora e complexa.
Acredito que as maiores lições são: forte olhar para o digital, processos mais ágeis e menos complicados, valorização da flexibilidade, novos formatos de trabalho e o mindset de que produtividade não necessariamente está ligada ao tempo que o empregado fica na empresa.
Não acho interessante olhar as empresas por uma ótica binária de “cultura de empresa tradicional x cultura de startup”, pois, ainda que os dois formatos de empresa proporcionem ambientes e experiências diferentes, seus modelos se transpassam de alguma forma e se retroalimentam. Ambas, se estiverem abertas, podem usufruir de boas práticas uma da outra. Com certeza as empresas tradicionais têm muito a agregar às startups, desde processos de gestão, de qualidade, de segurança do trabalho e muitos outros. Além do mais, a Cultura Organizacional vem de um histórico e não é estática nas empresas, ela vai se moldando de acordo com diversos fatores sociais e de mercado, afinal, as pessoas mudam o tempo todo e essas mesmas pessoas que constroem a cultura da empresa.
Sim, não tenho dúvidas. Mas o desafio é gigantesco. Enorme. Muito, muito difícil. O principal gargalo no processo é a cultura organizacional. São décadas de desenvolvimento de práticas de gestão baseadas em pressupostos como "formalização de processos", "rigidez no planejamento", "burocracia", "padronização", etc. No século passado, a máxima era "quanto mais padronizado, mais confiável e, portanto, melhor". De repente surge um tal de Eric Ries (empreendedor e criador do movimento Lean Startup) que estuda as novas empresas do Vale do Silício e descobre que, na verdade, a máxima mais adequada à nova realidade é diametralmente antagônica: "quanto mais flexível, mudanças são mais ágeis e, portanto, melhor". São mudanças em premissas muito elementares, sob as quais toda a organização tradicional sustentou seu crescimento. Definitivamente, não se muda facilmente.
Muitas empresas tradicionais já vem adotando iniciativas para esta mudança cultural (a maioria delas iniciando em pequenos sistemas ou processos específicos). O caminho é longo, mas é possível sim.
Tomemos como base a definição clássica de cultura organizacional de Schein (psicólogo e referência em cultura organizacional): "o conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir, em relação a esses problemas".
Percebe-se, portanto, que a cultura organizacional das empresas do Silicon Valley são consideradas diferentes porque os "problemas de adaptação externa e integração interna" daquela região são diferentes dos enfrentados pelas empresas tradicionais. Ou seja: ninguém "desenhou" aquele estilo de gestão à priori, mas foi o resultado do aprendizado que aquelas organizações tiveram ao enfrentar os desafios por lá existentes.
Na medida em que estes desafios se tornam globais (e não locais), é natural que as demais organizações comecem a compartilhar do mesmo ecossistema e, assim, precisem a adotar uma "nova cultura". Assim, vão se basear naquelas organizações que já passaram por desafios similares: exatamente as pioneiras do Vale do Silício. É justamente por isso que é crescente o interesse das academias, executivos, pesquisadores de gestão, autores consagrados e universidades em estudar as empresas bem sucedidas do Vale do Silício.
Não existe "cultura de startup" e "cultura tradicional". Somente "cultura organizacional". Cada cultura é única - nenhuma ambiente corporativo é igual ao outro. Nem mesmo entre duas startups.
O que ocorre são empresas "startups" aprenderem práticas de gestão com empresas "tradicionais". Aí sim, com certeza, existe muita coisa. Afinal, aprendizado organizacional é orgânico, e empresas são sistemas abertos que interagem entre si. Portanto, não é verdadeira a visão romântica de que a startup é completamente diferente, que simplesmente revolucionou e ignorou os modelos de gestão mais tradicionais.
Penso que não. Culturas são muito particulares de cada empresa e são muito complexas, não são um procedimento, algo totalmente tangível, então não consigo enxergar cultura como algo que possa ser implementado. Veja que, mesmo dentro de uma mesma organização, pode haver traços culturais muito específicos de equipes e grupos menores. Entendo que podem ser implementadas algumas práticas e, mesmo assim, com o devido cuidado para que não se percam e fiquem estacionadas no meio dos muitos procedimentos e processos que regem a organização.
Muitas das empresas que tentam adotar práticas de startups para projetos o fazem para dar agilidade às entregas, como se a simples adoção dessas práticas fosse uma solução para tornar a organização mais ágil. Se eu adoto essas práticas sem olhar honestamente para o fato de que a organização é burocrática e altamente hierárquica, não é uma prática de startup que vai resolver o problema. Creio que, por isso, já ouvi e li de muito experts na área que a melhor forma de experimentar o jeito startup de fazer as coisas é fazer isso de forma paralela à rotina da organização, com gestão e práticas mais autônomas, porque senão a coisa se perde ou então vira o discurso vazio.
Pensando nos nomes que têm se destacado termos de cultura organizacional recentemente, muitos realmente vem de lá – Patty McCord, ex-Netflix; Kim Scott, ex- Aple e Google e Lazslo Bock, ex-Google – vejo que o que eles têm em comum em suas propostas é o reforço da autonomia para pessoas e equipes (“contrate adultos e trate-os como adultos”, como diz muito a Patty McCord) e também a importância de olhar as interações individuo a individuo que moldam uma cultura. Às vezes ainda olhamos cultura como algo que é trabalhado numa grande campanha, num grande planejamento, mas o que essas pessoas propõem é olhar cultura de uma forma mais granular, moldada justamente por relacionamentos e interações que acontecem a todo o momento.
Como cultura é algo muito particular de cada organização, entendo que é possível agregar práticas e aprendizados. É engraçado que você encontra N artigos sobre o que corporações podem aprender com startups, mas poucos sobre o caminho oposto. Duas coisas me vêm à mente para responder a essa pergunta: disciplina e discrição. Falo de disciplina no sentido de que me parece mais simples fazer as coisas sem muitos processos e padrões quando se está começando, mas com o crescimento, isso pode virar um caos. O desafio é não transformar a disciplina que agiliza em rigidez que empaca. O ponto da discrição é equilibrar transparência com o respeito pelas horas certas e pelos diferentes níveis de maturidade de stakeholders.