Você já ouviu falar no “Sistema 996”? O assunto esteve em pauta na imprensa e nas redes sociais nas últimas semanas por conta de uma declaração de Jack Ma, fundador da gigante do e-commerce Alibaba. O bilionário chinês defendeu uma rotina de trabalho que dure das 9h às 21h, durante seis dias por semana. O total de horas trabalhadas numa semana 996 seria de 72h, muito acima das 44h permitidas pela legislação brasileira.
“Deixe-me perguntar a todos, se você não gasta mais tempo e energia que os outros, como vai conseguir o sucesso que deseja?”, defendeu o empresário em discurso aos funcionários segundo informações da agência Reuters. Jack Ma chegou ainda afirmar que a rotina 996 “é uma benção”.
Esse tipo de rotina é bem comum na China, onde há um alto índice de burnouts entre profissionais com menos de 30 anos, mas também no Japão, onde é comum trabalhar 12h por dia nas fábricas, conforme conta Tiago Kurihara. Ele é brasileiro, está em Izumo há três anos e meio e trabalha como líder de setor numa fábrica da Murata Manufacturing.
“A maioria dos empregos são como no Brasil, mas aqui é normal a necessidade de fazer horas extras, de acordo com a demanda do serviço. Esse sistema de 12h por dia só existe em fábricas que funcionam 24/7. E só se aplica a funcionários terceirizados. A maioria desses trabalhadores não tem tempo para eles próprios. Só ficam na rotina casa-trabalho-casa. E isso acaba causando depressão, entre outras coisas”, afirma Tiago, que acredita que um sistema 996 não daria certo no Brasil:
“O brasileiro está muito acostumado a viver mais e trabalhar menos. Antes seria necessário mudar o pensamento do povo. E, na atual situação do país, considero isso impossível”.
Segundo a consultora especialista em carreira Lilian Sanches, fazer horas extras às vezes é completamente normal, porém é preciso ter cuidado para que essa prática não se torne rotineira, o que leva, seguindo o exemplo do que está acontecendo na China, à exaustão.
“Trabalhar numa jornada exaustiva por um período curto ou para uma entrega pontual e, na sequência, fazer uma pausa para recarregar é possível. Agora, quando está sobrecarga é diária, o corpo e a mente ficam sem tempo de recuperação, o que leva ao esgotamento e consequentemente às doenças e acidentes. É comum em pessoas sobrecarregadas a perda de foco e produtividade. Ao invés de produzir mais com a jornada mais extensa, é possível que as pessoas diminuam a produtividade”, explica Lilian.
Quem caminha na direção totalmente contrária à sugerida por Jack Ma é a Unilever. A multinacional divulgou recentemente que está testando um modelo de compartilhamento de funções (job sharing) entre as duas diretoras de RH da empresa, Carolina Mazziero e Liana Feracotta. Com este novo formato, elas poderão trabalhar apenas três dias por semana, sem horário fixo e ainda com possibilidade de folga às sextas-feiras.
Em entrevista à Revista Exame, Carolina contou que a ideia surgiu quase como uma brincadeira durante a sua licença-maternidade e que recebeu apoio dos seus superiores para colocar em prática.
“É importante para nós, como funcionárias da área de gestão de pessoas, sermos as cobaias do projeto para depois alavancar isso para o negócio. Nós ficamos no escritório juntas de terças e quartas porque achamos melhor ter nesse primeiro momento dois dias de interface das duas no escritório para manter tudo mais claro para os funcionários”, afirmou a gestora à publicação.
No modelo sugerido por Jack Ma, o sucesso num trabalho está diretamente ligado à quantidade de horas dedicadas à função. Mas será que isso é realmente verdade? Ludymila Pimenta e fundadora da RHlab, uma consultoria e digital business que tem atuado com pesquisas sobre o futuro do trabalho e das gerações, na transformação do RH e mentorias para HRtechs. Trabalhando em home office, em Brasília, ela acredita que é possível manter uma rotina equilibrada, cuidar dos seus dois filhos e ainda assim alcançar bons resultados profissionais.
“Eu sou dona da minha própria empresa e eu estou, neste momento, trabalhando de dentro do quarto dos meus filhos. Eu saí das organizações em 2015 justamente para empreender. O primeiro ponto foi de estar mais próximo dos meus filhos. Hoje eu tenho horários pela manhã ou no fim do dia que eu costumo malhar e à noite eu opto por não trabalhar, justamente para ficar em casa, cuidando das crianças. Estar officeless é super-importante para mim, primordial”, afirma a empresária, que apesar de ter escolhido uma rotina mais equilibrada, ainda se considera “workaholic”:
“Eu preciso me organizar bem para fazer com que minha agenda pessoal ande com minha agenda do trabalho, até porque eu gosto muito de trabalhar. Eu preciso reduzir um pouco fluxo, mas eu consigo cuidar muito mais da minha vida agora, consigo marcar médicos, tenho uma agenda flexível”.
Empreender em casa como Ludymila tem feito ou dividir funções como o novo modelo proposto pela Unilever podem não ser ideias que estejam ao alcance da maioria dos profissionais. Para quem ainda não pode ter essas possibilidades ao seu alcance, Lilian indica que o foco da pessoa e da empresa deve estar nos resultados e não somente nas horas dedicadas.
“Tendo clareza sobre o que é preciso entregar, os profissionais e empresas podem ter maior flexibilidade com aumento de resultados. Neste modelo é fundamental rever processos e tarefas, pensando na otimização e na eliminação de atividades que não agreguem de fato valor ao resultado final. Um profissional que trabalha 4h por dia com foco e objetividade, pode ser mais produtivo, ou seja, ter resultados melhores do que outro profissional que trabalha 10h, mas que perde tempo com reuniões improdutivas, tarefas desnecessárias e perda de foco nas transições entre atividades, por exemplo”, explica a consultora.