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Você precisa mesmo de informações pessoais dos seus candidatos? Conheça o recrutamento às cegas

Recentemente, conversamos aqui no blog a respeito de diversidade e o que pode ser feito para garantir que a empresa seja mais inclusiva. Além da mudança de cultura, uma prática que tem sido bem acolhida por vários RHs na busca por diversidade é a adoção do recrutamento às cegas.

A ideia aqui é que os currículos ou fichas de inscrição enviadas para a empresa não tenham nenhuma informação que possa causar uma eliminação pautada em critérios discriminatórios: idade, sexo, raça, orientação sexual e até mesmo onde o profissional fez faculdade. Entrevistamos seis profissionais em recursos humanos para entender como funciona um recrutamento às cegas, se ele de fato evita preconceitos ou se eleva o nível de exigência do processo.

Fórum RH 2019

No dia 9 de abril, teremos um encontro com os profissionais de Recursos Humanos aqui na Live University, o Fórum RH 2019. Teremos palestras sobre como o RH pode ser um agente transformador do negócio, qual o seu papel na cultura organizacional da empresa, além de vários outros temas. Confira quem são os palestrantes, a programação e como se inscrever aqui!

Agora, confira as entrevistas!

Adotar o currículo cego é uma saída para impedir preconceitos inconscientes nos processos seletivos?

Cammila Yochabell (Fundadora da Jobecam) - Sim, acredito que o currículo cego e no caso da plataforma que criei, a Jobecam, o vídeo cego ajuda a reduz os vieses inconscientes existentes em cada um de nós. Mas é importante salientar que a seleção é uma ponta do processo, a contratação com um inboard estruturado. Haver uma inclusão do profissional ao ambiente é importante.

Fernando Bueno  (Co-Fundador e CTO da Huddle Brasil) - Não só acredito fortemente nisso como a minha startup nasceu com essa visão. Tanto eu como o meu sócio não estudamos em faculdades tops de linha e a gente era cortado dos processos seletivos para estágios ou trainees nas primeiras etapas sem nem ter a oportunidade de mostrar todo o nosso potencial. Depois a gente descobriu que muito provavelmente era por causa da faculdade que a gente estudou.

A gente acabou entrando numa multinacional, onde trabalhamos juntos por quatro anos, eu e meu sócio, e depois resolvemos empreender e, retomando essa dor que a gente tinha lá atrás, criamos algo que ajudasse nesse problema. Havia esse lado candidato, a dor que a gente sentia, mas a gente precisava balancear as duas pontas, ou seja, tentar entender por que era feita essas coisas. Conversamos bastante com RHs na época de formatação do produto e a gente entendeu que eles têm mil candidatos para uma vaga e ele precisa sair desses mil para uns três para uma fase presencial e acaba fazendo filtros demográficos e técnicos. Os técnicos são os cursos que precisa ter, alguma certificação específica, mas também há os filtros demográficos, ou seja a idade, a região que o candidato mora, a faculdade que estuda e coisas desse tipo. O RH faz isso porque precisa sair de um número grande de candidatos para um número menor e esta é a forma que ele julga que consegue por questões financeiras e de tempo chegar a um número razoável de candidatos para as fases seguintes.

Então, a gente analisou estes dois lados e pensamos em como equilibrar essa balança. Foi daí que surgiu a ideia de fazer games em que você, ao invés dos testes de lógica, pudesse simular situações problemáticas onde consegue vir à tona todo aquele potencial e perfomance do candidato independente da sua faculdade, gênero, cor de pele e enfim. A gente acredita que estamos caminhando em direção dessa visão porque estamos tocando um processo seletivo em que todos os inscritos foram filtrados apenas pelo ano de formação, que é algo que a empresa precisa, e o curso. Então, depois desses filtros, todos os candidatos passaram pelo game e a consultoria prossegue com o que foi capturado no game de perfil e perfomance. Isso é o início de uma seleção às cegas, não foi levado em consideração nada que pudesse ter algum tipo de preconceito.

Julianna Antunes (Sócia-Fundadora do Sustentaí) - Sem dúvidas. No meu caso, não sou adepta exatamente do currículo às cegas. Currículo mesmo só peço na última fase, já na entrevista final. No momento da candidatura, peço histórias, independente da experiência e da senioridade da vaga. Quero entender a pessoa além do perfil profissional. Quero saber o que a motiva, quais são os seus objetivos no futuro, como ela está escrevendo a história da sua vida e como a minha empresa pode se inserir nessa história.

Acredito que isso por si só já tira muito do preconceito consciente e inconsciente que possa existir. Mas vou além para temas que nem são relativos a preconceitos, mas padrões do mercado. Num estágio, num primeiro emprego, por exemplo, você tende a optar por currículos de quem fez um intercâmbio por N fatores. Quando peço para as pessoas contarem para mim a história da vida, abro espaço para que elas mostrem fatos importantes sobre o comportamento que não teriam espaço em um currículo tradicional, como o que está por trás de uma prática esportiva de alto rendimento, a disciplina que envolve um processo de emagrecimento ou assumir a responsabilidade da casa e ter de cuidar dos irmãos mais novos para a mãe poder trabalhar.

Lana Kantor (Coordenadora de Marketing na Vulpi) - Não, mas é um bom começo.  A ideia é não usar critérios discriminatórios, nem mesmo prezar pela diversidade a todo custo, o que pode tokenizar, ou seja, usar uma pessoa de modelo para a diversidade, como colocar uma mulher em uma empresa de 99 homens, e não trabalhar os aspectos culturais que essa contratação precisa levar em conta do currículo para frente.

No entanto, é uma estratégia que contempla o início de um processo seletivo mais diverso e dá mais segurança para grupos diferentes se inscreverem. Utilizar o currículo cego é o início de um compromisso com a diversidade. É dizer que eu me importo com as suas habilidades e, com as políticas certas, quero que qualquer pessoa se sinta bem-vinda em minha empresa.

Renato Trindade (Gerente Executivo da Page Personnel) - O formato de currículo cego já muito praticado em mercados mais maduros em recrutamento de profissionais, tais como Europa e EUA. Na Europa, currículos com informações pessoais não são aceitos, algo que já vem acontecendo também nos EUA.

O objetivo dessa pratica é exatamente conseguir encontrar o melhor perfil técnico e comportamental para a posição, sem levar em conta outros fatores que poderia impactar, como sexo, idade, estado civil e etc.

É uma forma muito genuína de focar estritamente no profissional, mesmo sabendo que profissionais são seres humanos e é difícil separar o pessoal em muitas situações.

Vanessa Oliveira (Consultora de Talentos, Gente e Gestão na Business Partners Consulting - Sim, impede. Eu sempre oriento, por exemplo, que as pessoas de mais idade não coloquem idade em seus currículos. Quando você coloca que tem 45 anos, por exemplo, e o perfil da vaga é júnior, que o profissional tem que ter idade entre 20 e 35 anos, e essa pessoa é dez anos mais velha, ela nem é contatada.

Quando ela não coloca essas informações, isso faz com que o recrutador tenha curiosidade e entre em contato com essa pessoa e isso quer dizer que este candidato terá mais chances de bater um papo com o recrutador, de ganhar ele por telefone. Por outro lado, para nós que trabalhamos com recrutamento e seleção, isso se torna um tanto quanto ruim. Numa conta rápida, quem se formou entre 1995 e 2000 são pessoas que têm hoje seus 15 anos de experiência. Mesmo que este currículo não tenha a idade do profissional, a gente consegue achar informações que faz com que a você note ou que você consiga achar a possível idade desse candidato.

Não colocar idade evita preconceito sim, mas quem trabalha com isso torna-se muito menos assertivo, porque você tem que contratar vinte pessoas que não tem idade no currículo para que você encontre a pessoa com a idade correta. Tem o pró e o contra disso, bom para o candidato, mas para quem trabalha com recrutamento e seleção isso é um tanto quanto ruim, porque você não faz um recrutamento assertivo.

Como evitar que esses tipos de preconceitos voltem à tona em fases presenciais, como entrevistas e dinâmicas de grupo?

Cammila Yochabell - As empresas, ao adotarem a metodologia às cegas, precisam estar maduras e receptivas pra tratar o todo. Se a empresa não está preparada, melhor não sequer iniciar o processo. Seria incoerente.

Fernando Bueno - Pelo menos no curto prazo, a máquina não substituirá totalmente o ser humano dentro de um processo seletivo. Você tem que conversar olho no olho com aquela pessoa que vai trabalhar contigo todo dia e sentir se aquela pessoa vai realmente encaixar na sua equipe, se há sinergia entre vocês dois. Então, esse fator humano no final do processo ainda vai existir. Então, como impedir que este feeling incorpore todos os preconceitos existentes? Este é um trabalho mais educativo e cultural nas empresas. Como trabalhar na cultura corporativa para que a pessoa entenda por que a empresa precisa de pessoas diferentes dela, de multidisciplinaridade, de culturas, opiniões e ideologias diferentes. Tudo isso soma e ajuda a empresa, facilita o processo de inovação da empresa. O que elimina o viés na fase das entrevistas é a educação dos líderes, dos gestores para eles entenderem e incorporarem isso no dia a dia deles.

Eu acredito que não são ferramentas e processos que resolvem esse problema, elas só vão suportar e ajudar. Acho que qualquer transformação interna, de um individuo, sociedade ou corporação, qualquer uma dessas transformações radicais e que façam sentido passam pela cultura, do quanto essa transformação cultural que estão ali dentro. É isso que vai fazer a diferença. Você vai ter os processos e as ferramentas que vão suportar esta transformação, mas não serão eles que a farão. O grande segredo aí é continuar com as ferramentas e processos, mas não sozinhos, tem que ter iniciativas cada vez mais fortes, pessoas cada vez mais engajadas em iniciativas para que exista essa transformação cultural nas organizações e que com o tempo também ocorrerão dentro da sociedade.

Julianna Antunes - É uma pergunta difícil de responder e só posso falar por mim. Quando alguém me manda a sua história na expectativa de ser convidado para participar de um processo, e essa história me cativa, é para ela que eu vou olhar, independente de cor, cabelo, gênero, peso, credo, classe social, curso, onde estudou... E vou torcer muito para que o que ela escreveu se concretize nas etapas seguintes. O tipo de gente que eu busco como funcionário é gente que olha para frente, que realmente pensa fora da caixa, que tem pensamento crítico, que questiona o “business as usual” e usa tudo isso para gerar valor para a empresa. O resto é realmente irrelevante e não influencia o processo.

Lana Kantor - Conhecimento e uma forte política de diversidade de conhecimento público são estritamente necessários para as fases seguintes. É preciso treinar entrevistadores para não fazer perguntas enviesadas, como o fato de a pessoa ser casada, planejar ter filhos, sua orientação sexual e etc. Ou de qualquer coisa que seja além de suas atividades e alinhamento cultural com a empresa.

Também é preciso definir o que é "fit cultural" com termos e perguntas específicos. A subjetividade de quem se daria bem na empresa ou "com quem ficaria preso no elevador sem problemas" pode eliminar pessoas com pensamentos e bagagens diferentes, que podem acrescentar (e muito) ao pool ideológico de uma empresa e trazer mais inovação.

Renato Trindade - O Brasil ainda tem por cultura obter o máximo de informações pessoais do profissional, como idade, sexo, local onde mora e etc. Essa cultura enraizada nos processos seletivos brasileiros abre sim espaço para preconceitos e tomada de decisões muitas vezes não baseadas estritamente no perfil técnico e comportamental.

O mercado brasileiro ainda demorará algum tempo para alcançar essa evolução, então existem algumas dicas para o candidato consiga deixar de lado dados pessoais.

A primeira dica é não ter pensamentos limitantes em relação à idade, sexo, religião e outros pontos pessoais. Muitas vezes os preconceitos são gerados em nossa cabeça e atuam limitando nossos objetivos. A cultura latina requer uma aproximação maior que vai além do profissional, tendo sempre um caráter pessoal nas relações. A dica é focar em suas conquistas, mostrar seu potencial, detalhar cases de sucesso, momentos difíceis, erros e acertos.

Não é visto com bom tom não responder algumas perguntas pessoais, porém vale sempre avaliar o conteúdo da resposta, ser o mais direto possível e direcionar novamente ao lado profissional, mostrando que o que importa é o profissional e o quanto poderá agregar para empresa, independente de preconceitos limitantes.

Vanessa Oliveira - Diversidade é uma palavra que está no auge, que muitas empresas, até mesmo as formais como bancos, têm feito essa inclusão. Quando você fala em diversidade, você fala em raça, credo, gênero, orientação sexual. Todos esses preconceitos têm sido amenizados, as pessoas passaram a olhar as outras com um olhar totalmente novo em que você não veta o candidato por ele ser negro, barbudo ou tem tatuagem.  Tem um banco que fez uma ação que dizia "vou como sou". Se o cara é barbudo ou tatuado ele pode ir trabalhar como ele é. Antes não, esse cara precisaria fazer a barba e se cobrir inteiro para passar num processo seletivo.

Eu acho que isso vai muito de quem está conduzindo o processo de seleção. Desde um trabalho sendo internalizado no RH das empresas tanto quanto da consultoria contratada. A pessoa que está ali não pode barrar o profissional por conta disso e explicar para o gestor de uma possível entrevista de que não haverá preconceitos. Nós já contratamos uma menina que tinha 30% do corpo queimado para uma vaga de estágio numa agência de público A e isso não foi um problema.

Optar pelo uso do currículo cego aumenta o grau de exigência nos processos seletivos? Há algum ponto negativo neste modelo?

Cammila Yochabell - Mas por que aumentaria o grau de exigência? Discordo. O grau pode ser o mesmo, a análise que tem que ser exigente, o olhar do recrutador e gestor precisam avaliar mais que um papel. Não vejo pontos negativos, só ganhos de tempo e dinheiro. Mais força de marca pra organização e até de engajamento dos funcionários atuais. Empresas plurais lucram mais e são mais inovadoras.

Fernando Bueno - Não acredito que vai tornar mais exigente, mas eu acho que vai se tornar mais justo, acho que eu usaria mais essa palavra. Porque se vai exigir competência e performance acima de características demográficas ou de raça e gênero. É a capacidade dele que vai ser levada em consideração e vai tornar o processo mais justo. Quem realmente tiver as competências serão as pessoas que realmente vão se destacar e seguir para as etapas finais.

Para quem não tem essas competências, esse modelo vai realmente exigir mais, não é só suas características ou onde estudou que vai colocar a pessoa em vantagem e sim quais são as habilidades desenvolvidas e como ela consegue demonstrar isso. Do ponto de vista ruim do modelo, acho que é só conseguir encontrar essa balança ideal, de como gerar oportunidades iguais para todos, na mesma proporção, que a gente reduz os custos das contratações. Acho que é essa a equação que precisa ser resolvida. Eu acredito muito que os processos, ferramentas e tecnologia nos auxiliaria para isso. A seleção às cegas por si só, em seu conceito, trata de falar com todo mundo, dar oportunidade para todo mundo, mas às vezes fica enviável avaliar todos que se inscreveram de uma forma presencial, é uma utopia. Acho que este é o desafio, como gerar valor para o negócio, reduzir custos e ao mesmo tempo gerar oportunidades iguais para todos.

Julianna Antunes - Na verdade eu vejo não como um aumento de exigência, mas como um aumento de qualidade de profissionais participando do processo. A tomada de decisão fica mais difícil. De novo falo da minha experiência tendo como primeiro filtro as cartas de motivação. Por conta do pedido das cartas, deixo de receber currículo panfletado. Então as pessoas que se candidatam já têm um diferencial. Pode parecer bobo para mim, que tenho uma formação em comunicação, mas escrever em uma página a história da vida é difícil pacas. Cativar então... Assim, quando a pessoa é chamada para a etapa seguinte, é porque ela já está num nível acima da média. Nas etapas presenciais fica muito mais fácil ver se o que essa pessoa escreveu condiz com o comportamento dela do que por meio de currículo tradicional.

O ponto negativo, principalmente para vagas mais seniores, é que o risco aumenta quando abro mão de saber a experiência profissional da pessoa. Mas te digo que as experiências que tive foram tão boas, tão boas, que compensa. E o mais interessante é que as pessoas que contratei por meio desse modelo, jamais passariam no filtro de currículo se fosse um processo tradicional (malditos preconceitos inconscientes!).

Lana Kantor - Talvez. Como apenas as habilidades são avaliadas, se informações sobre faculdades não forem ocultas, por exemplo, podemos iniciar uma regra, ainda que invisível, sobre que tipo de instituição a pessoa deve frequentar para entrar em uma empresa. Depende do que é oculto e o que é avaliado na prática.

O ponto negativo seria limitar uma política de diversidade a um currículo cego. Pessoas que se candidataram podem facilmente desistir do processo se demais políticas de diversidade não forem colocadas em prática em conjunto. É algo que as pessoas podem ver e sentir ao avançar no processo.

É a ideia de que embora o currículo cego traga diversidade, não necessariamente trata de inclusão. Entrar em uma empresa sem políticas de discriminação é diferente de promover equidade ou um espaço saudável para debate de diferentes identidades e ideologias.

Renato Trindade - O ponto e atenção é o fato do mercado não estar aculturado com esse modelo, por isso é possível que exista algum resistência por empresas mais tradicionais. É importante saber também que mesmo usando o CV cego, em algum momento as questões pessoais básicas serão abordadas seja na entrevista ou até mesmo como informação complementar ao CV.

Não demonstre que é incomodo fornecer informações pessoais, desde que, elas não infrinjam seus valores e o bom senso. Porém, sempre volte ou faça um link com o profissional que é o que deve ser avaliado.

Vanessa Oliveira - Sou totalmente a favor de um processo seletivo às cegas, para que haja mais chances para o profissional. Entretanto, eu sou uma hunter e isso dificulta o trabalho da hunter, do profissional de recrutamento, quando a gente tem critérios muito específicos, como idade. Dentro do universo de recrutamento e seleção e RH, a diversidade é homem porque a grande maioria é mulher nesta área. Às vezes, nos pedem para achar um homem. São muitos detalhes.

 

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